Documentos revelam suspeita de que o TAC de R$ 87 milhões do DPVAT favoreceu seguradora

Indignado com a impunidade com o escândalo do seguro DPVAT (Danos Pessoais por Veículos Automotivos Terrestres), o juiz aposentado de Montes Claros, Danilo Campos, decidiu produzir um documentário para revelar os detalhes que teriam resultado no perdão criminal dos diretores da Seguradora Líder e de seus associados.Eles foram alvo de investigação de uma força-tarefa integrada por agentes da Polícia Federal (PF) e membros do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), por suspeita de desvio de R$ 10 bilhões do seguro destinado às vítimas de acidentes de trânsito. “É um escândalo que envolveu todo mundo (policiais, médicos e servidores públicos) e é mil vezes maior que os desvios da Lava Jato. E quem pagou a conta foram milhares de contribuintes lesados”, afirmou o juiz, que deu início às investigações.Para Campos, a Líder foi beneficiada principalmente pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em janeiro de 2020 pela seguradora e pelo governo de Minas Gerais. Conforme o TAC, a Líder zerou todos os seus débitos com o Estado ao pagar uma taxa de RS$ 87 milhões.Documentos aos quais a reportagem teve acesso mostram os bastidores do acordo costurado no gabinete do ex-procurador-geral do Estado, Antônio Sérgio Tonet. As negociações foram marcadas por uma briga interna no MP. O promotor designado pela Justiça para acompanhar e dar prosseguimento nas investigações, Paulo Márcio da Silva, foi afastado pela equipe de Tonet do caso. Lotado inicialmente em Montes Claros, Paulo Márcio e os demais promotores de sua equipe, agrupados em uma força-tarefa, tentaram recorrer em 2017 no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Mas, em vez de responder à representação do promotor, o CNMP acabou tomando decisão contrária: abriu procedimento administrativo para investigar Paulo Márcio.Promotor havia assinado acordo mais vantajoso

Trecho do documento “Propostas relacionadas à operacionalização do seguro DPVAT”

Neste mesmo ano, o CNMP assinou a resolução número 197, que livrou de processos criminais os beneficiados pelo TAC, outra medida que acabou beneficiando diretores da Líder em processo criminal.Ainda conforme os documentos (CLIQUE AQUI PARA LER), o promotor do caso havia assinado uma minuta de pré-acordo com o então presidente da Líder, Roberto Barroso, que previa uma indenização no valor de R$ 254 milhões.

O dinheiro seria distribuído da seguinte forma: R$ 104 milhões na educação, saúde e segurança para o Estado de Minas Gerais e R$ 150 milhões para os demais estados lesados pelo desvio de recursos. Um acordo quase três vezes maior do que o TAC articulado por Tonet. Mas Barroso morreu de infarto, aos 50 anos, antes de o acordo ser formalizado.Os números do TAC assinado por Tonet estão ainda mais distantes dos R$ 4 bilhões dos fundos da Líder apreendidos pelo ex-ministro da Fazenda do ex-presidente Jair Bolsonaro, Paulo Guedes.

A apreensão da bolada (transferida para a Caixa Econômica Federal) teria sido motivada por uma briga política entre Bolsonaro e seu ex-aliado, o deputado Luciano Bivar, proprietário da Seguradora Excelsior, que foi investigada no escândalo do DPVAT. A seguradora do parlamentar era uma das empresas que integrava o consórcio da seguradora Líder.“Esse dinheiro, que está sendo usado para amortizar grande parte do imposto, mostra que a Líder tinha condições de fechar um acordo muito mais vantajoso para o Estado”, afirma o juiz, que deu início às investigações.PF arquiva investigação criminalOs documentos mostram ainda que a Líder mantinhas boas relações no serviço público. Por exemplo, o procurador do Estado, José Sad Júnior, lotado na Advocacia-Geral do Estado (AGE), atuou como advogado da Líder no caso do DPVAT. Vale explicar que a legislação permite aos procuradores do Estado exercerem uma atividade paralela como advogados. Tonet admite que tem um bom relacionamento com Sad devido aos cargos que ocupam. Na sua luta para tentar levar os processos criminais adiante, o promotor Paulo Márcio protocolou denúncia na PF do Rio de Janeiro, onde o escritório da Líder se localizava até fechar suas portas, em 2022. “Passei dez dias auxiliando o delegado a montar os inquéritos. Mas infelizmente o caso não foi adiante”, disse o promotor.Procurado por telefone, o delegado da PF do Rio de Janeiro, Alexandre Lima, responsável pelos inquéritos, disse que o caso não está mais com ele. “Deve estar no Supremo”, disse. Detalhe: não existe nenhum caso da Líder tramitando no STF.Outro policial que se recusa a falar sobre o assunto é o delegado da PF Marcelo de Freitas (licenciado para cumprir mandato de deputado federal pelo União Brasil). Freitas integrou a força-tarefa que desencadeou a Operação Despertar.

A operação levantou centenas de provas documentais contra diretores da Líder e de outras corretoras. Freitas, em seu primeiro mandato como deputado, foi indicado por Bivar para a presidência do diretório estadual da União Brasil em Minas Gerais.Procurado durante três semanas por telefone e por sua assessoria, Freitas só resolveu se pronunciar ao ser perguntado sobre suas relações com Luciano Bivar. Por meio de seu assessor, que se identificou apenas como agente da PF, o deputado informou que está impedido de falar sobre o caso porque as investigações estão sendo conduzidas por outro delegado.

Avalanche de processos levantaram suspeitas

A abundância de processos ingressados na Justiça por vítimas de acidente de trânsito levou o juiz a suspeitar de fraudes no DPVAT. O juiz disse que, embora o seguro só beneficiasse a família dos mortos e as vítimas de acidentes de trânsitos por invalidez permanente, os processos passaram a se acumular nas unidades de Justiça do Norte de Minas. Assim que percebeu essa movimentação atípica, ele acionou os promotores da Coordenadoria de Combate aos Crimes Praticados por Agentes Públicos.

As investigações da Polícia e do Ministério Público descobriram inicialmente a existência de uma quadrilha que se dedicava à emissão de laudos falsos. A rede de fraudadores era formada por policiais, médicos, fisioterapeutas e despachantes. Esses laudos falsos serviam para embasar os processos.

Era um crime perfeito pois todo mundo saía ganhando, principalmente as seguradoras, que quanto mais processos respondiam, mais recursos recebiam da Superintendência de Seguros privados (Susep), conta o magistrado.

Em 2015, uma força-tarefa formada por membros da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU) desencadeou a chamada operação “Tempo de Despertar” em Minas Gerais e em outros estados do país. Sob o comando da PF, a operação resultou na prisão de funcionários públicos (entre eles um delegado da Polícia) e na apreensão de vários documentos que comprometiam os diretores das seguradoras e os demais suspeitos de participarem da fraude.

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